quinta-feira, 26 de maio de 2011

Pedaços de África

SOLITÁRIO

Doze meses me separam da largada
Do porto de Lisboa, da Lusa Atenas,
Mas ainda outros tantos da chegada
Me faltam p’ra regressar sem minhas penas…


Mais doze meses terei que respirar
Este ar tão quente, soturno e pegajoso;
Esse dia no entanto há-de chegar
E por ele vivo, sofro, estou ansioso…


Entrementes eu aqui sem companheira,
Sem ter mulher dedicada à minha beira
Ou, talvez, só por simples contradição


Revolta-me este estado celibatário
E cada vez mais me sinto SOLITÁRIO
Nestas paragens, ignotas, do sertão…


(Escrito em Angola em 17/07/1965)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Cartas de Amor

Todas as cartas de amor săo

Ridículas.

Năo seriam cartas de amor se năo fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Tęm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que săo

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que săo

Ridíículas

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

Săo naturalmente

Ridículas).

Álvaro de Campos (1935)